Toques

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Manta verde

Ao som de Ney
Apesar de braços muito cansados e pernas doloridas, acendo um cigarro com dificuldade - nos meus braços o peso do mundo - e continuo a andar. Sendo muito difícil carregá-lo, o melhor é parar de fumar: e fumo. Com tragadas desesperadamente longas, sinto, pelo peso impossível do continuar, que devo deixar o bebê por ali, e esperar que continuem suas histórias. Para um táxi. Ajuda, Senhora? Imaginando os perigos de entrar com um filho no táxi, resolvo mesmo continuar a andar, sozinha, na noite cansada. Depois que o táxi vai embora penso que ficar parada também é perigoso. Olho pro rostinho do bebê e ele me parece menino, rapaz, homem. Paro. Agora ele é tão pesado que o jogo no chão, mas as pernas dele são grandes, maiores que as minhas, e cai em pé. Olhando meu rosto e tentando reconhecer alguém. É um velho, e eu paraliso. O tempo passou muito rápido e eu nem te vi crescer. Ele responde que alguém tem que ter visto. Não sei o que responder e sento no meio-fio. Outra tragada e digo ninguém viu. Eu estava aqui e nem eu vi. Na cara de velho eu vejo o choro de um bebê, fazendo pirraça no chão como quem quer uma bicicleta nova no natal. Eu digo que não há motivo pra isso, e ele me puxa, pelos braços, rápido. Agora o bebê me puxa como se carregasse o peso do mundo. E eu, como não quero ver isso, caio no chão. Ele me arrasta, as minhas pernas ralam na calçada de paralelepípedos. O velho não me agüenta. Paramos, olhamos, e pensamos Como o tempo passou e a gente não viu(?). Olho pro lado e vejo o bebê lá, deitado no chão, ainda enrolado nas mantas. Seguro-o com toda a força que meus braços cansados deixam, e, nós dois, de peitos vazios, continuamos a caminhada. Eu tinha visto, mas não podia contar. E falo baixinho, pra que só ele, nem eu, escute: Lo que tenga que ser, que sea, y lo que no por algo sera”.